sexta-feira, 6 de junho de 2014

Boris Pasternak

A FAMA É RELES
Ter fama é reles; a escalada
ao apogeu segue outras leis.
Arquivos não servem de nada,
Não tremas sobre os teus papéis.

Criar é se entregar de todo,
e não sucesso ou alarido.
É vergonhoso, sendo engodo,
virar provérbio difundido.

Cumpre viver, mas sem disfarce,
para atrair-se enfim o puro
amor do espaço ou escutar-se
o apelo, ao longe, do futuro.

Deixa as lacunas no destino,
nas obras, não. Qualquer passagem,
qualquer capítulo ou domínio
de tua vida – anota à margem.

Some no anonimato e esconde
teus passos como sítio oculto
por brumas muito espessas onde
não há como entrever seu vulto.

Outros, que irão por tua rota,
seguem teu rastro, passo a passo.
Mas não te cabe ser quem opta
entre um sucesso ou um fracasso.

Não rendas nunca, por motivo
algum, teu rosto, tua estrada;
prossegue vivo, apenas vivo
até o fim, vivo e mais nada.
(1956)

QUERO CHEGAR
Quero chegar em tudo ao cerne,
ao mais oculto.
Buscando a rota, no afazer, no
peito em tumulto.

Ao bojo dos dias de outrora,
ao próprio centro,
justo às raízes e às escoras,
medula adentro.

Sempre agarrando toda a série
de sinas, fatos,
sentir, pensar, amar, viver e
fazer achados.

E escreveria, ah, se o lograsse,
sobre os diversos
dons da paixão, de todo ou quase,
em oito versos.

Seus crimes, fugas e caçadas,
seus atropelos
acidentais, mãos espalmadas
e cotovelos.

Deduziria a essência inata
e as suas leis,
diria a inicial de cada
nome outra vez.

Dispondo cantos em canteiros,
com veias tensas,
veria as tílias: o horto inteiro
posto em seqüência.

E verteria, em verso, aromas
de rosa e menta,
prado, flor, feno e quanto assoma
numa tormenta.

Assim Chopin verteu – portento
vivo – seu mundo,
sítios, jazigos, bosques, dentro
de seus estudos.

O jogo e o suplício do afã de
vencer de fato –
a corda retesa e vibrante
do arco dobrado.
(1956)

Tradução Boris Schnaiderman

SOBRE BORIS PASTERNAK

Ilustração Nikolai Milioti



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