Nada resta a este inventário - feitas
as contas depois da viagem - além
das perdas do esquecimento ou
o surdo motivo de uma lembrança.
Afinal, um testamento é só o calendário
onde a cada dia podes contar teus bens
e lembrar que o relógio é a moenda
por onde a vida passa e tudo isso acaba.
Por isso eu te guardo, e lembro, e canto,
como a herança que, se fosse declarada,
seria entregue ao mundo como a chama
que acende a vida e jamais se apaga.
POEMA DO AMOR MELHOR
Amo a imperfeição das sebes,
as dúvidas do tempo no
relógio da chuva,
as instâncias do fogo ao respirar
a própria luta,
o talho da semente
ao explodir em planta, em fruta.
O amor não caminha sempre reto,
sem mácula, imune,
o amor também é o fardo
de sua incompletude,
é a incoerência de algo
que lhe custe.
O amor é o entendimento
do imprevisto, do louco, do absurdo,
é o corpo que não cabe
mais na roupa, no seu molde,
em seu ajuste,
mas quando tudo está perdido
é o amor a esperança que nutre.
O amor às vezes
se desnuda
sob a dor que ausenta e pune
na distância do abraço
quando um nó confunde o laço.
O amor resiste sendo carne, flecha, alvo,
pois em seu íntimo organismo vive
a força intraduzível,
a definição
do mais difícil.
Vencer um rio imenso,
um deserto ou a mais alta
cordilheira,
não é nada diante desse fogo
que sabe a vida inteira
a certeza do outro.
(Inéditos)
Photo by Renato Santicchia
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