domingo, 27 de julho de 2014

Giorgos Seféris

Lembrança, II
Éfeso
Falava sentado sobre um mármore
que parecia resto de um antigo pórtico;
à direita, intérmino e vazio, o campo;
à esquerda, as sombras do monte que baixavam:
"O poema está em toda parte. Tua voz
por vezes se avizinha do seu flanco
como o golfinho que acompanha fugazmente
um navio dourado sob o sol
e de novo some. Está em toda parte
o poema, como as asas do ar que dentro do ar
roçam por um instante as asas da gaivota.
Igual e diverso em nossa vida, como se transforma
o rosto que no entanto permanece o mesmo
da mulher a desnudar-se. Sabe-o
quem amou; à luz dos outros
o mundo se consome; lembra-te porém
"São o mesmo o Hades e Dioniso."
Disse e foi-se embora pela estrada larga
que leva ao porto de outros tempos, ora em ruínas
além dos juncos. Dir-se-ia
ser o lusco-fusco um bicho que morre,
assim tão nu.
Lembro-me ainda:
eu viajava por promontórios jônicos, conchas vazias de teatros
onde só o lagarto rasteja sobre a pedra árida
e perguntei-lhe: "Voltará a encher-se?"
Replicou-me: "Na hora da morte pode ser."
E correu gritando até a orquestra:
"Deixem-me escutar o meu irmão!"
E era áspero o silêncio à nossa volta
sem traço algum no cristal do céu azul.

[Poemas Giorgos Seféris,  sel., trad. e notas de José Paulo Paes, São Paulo: Nova Alexandria, 1995, pp. 143-144]. 





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