sábado, 19 de julho de 2014

Luiz Ruffato

Da calçada cumprimentava-nos
o Tempo e, engalanado, sentava-se
na puída poltrona da sala, honestamente
nos aguardando sob o retrato oval
de alguém que conosco se parecia, diziam.
Onde estaria agora, esse? Quanto envelhecemos
ali, à janela debruçados, nos indagando:
o que será, quando crescermos? Melhor
permanecêssemos sob a cama, escondidos.
Assim, quando o Tempo, exasperado,
se despedisse, teríamos ressonado,
e nem notaríamos os fiapos de pão
se confundindo com sua barba encanecida.

***
Enclausurado, as orelhas
afila o tigre. Lento,
o espaço entre o sofá
e a televisão percorre,
o imenso bigode desliza
por sobre o pó e as teias
de aranha. Inquieto, espia
pela janela a noite,
com cobiça. Grunhe, as patas
dianteiras ergue, a porta força.
O triste tigre trancafiado.

[In As máscaras singulares, São Paulo, Boitempo, 2002, p. 54-55]



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