DE PRIMAVERA EM LENINGRADO
No curso daquele longo inverno
você repetia, voz serena,
esmagando-lhe a treva de ferro:
“Resistiremos. Somos de pedra”.
Estreitava-se o anel venenoso.
O inimigo sempre mais chegado.
Podíamos vê-lo rosto a rosto,
feroz, como fazem os soldados.
Leningrado sem luz e sem água!
Rações de pão:cento e vinte gramas...
Como animal ferido o céu gane,
céu mortiço, nuvens estagnadas.
As pedras suspiram,
lajes ringem,
e a gente encontra força e vive.
Os mortos se empilham, um a um,
guerreiros numa cova comum.
Afinal cansou-se o próprio inverno.
Os turvos horizontes se abriram.
E surgem casas negras do inferno
das bombas. Mortas. Não resistiram.
E vamos nós dois passando pontes
sob a asa triunfal de maio,
você se alegrava sem dar conta
do porquê desse sentir-se gaio.
Uma nuvem mostrou-se no alto,
uma brisa esfriou-nos os lábios.
Falávamos ambos num sussurro
do tempo passado e do futuro.
Vadeamos uma longa treva,
passamos pelas balas em crivo:
Você dizia: “Somos de pedra”.
É mais do que pedra.
Estamos vivos.
1942
[Tradução de Haroldo de Campos]
Margarita Aliger nasceu em Odessa no ano de 1915. Foi operária, bibliotecária e jornalista. Já em meados da década de 1930, fez estudos de Literatura em Moscou. Tornou-se conhecida durante a II Guerra Mundial, muito por culpa de um poema, Zoyá, sobre uma jovem estudante enforcada pelos nazis. Zoyá foi publicado em 1942. Faleceu no dia 1 de Agosto de 1992.
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