quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Luís Filipe Pereira

Acendo o significado

E chego à escotilha nítida da treva fotográfica
Para ignorar-te como pássaro desmemoriado
Que viesse debicar nos versos a noite em elipse
E beber na varanda efervescente a moratória acrobática

Volteio na poalha inebriada do álbum insone
Do quarto inóspito
Que balança
No dorso das dedadas
De um barco matinal

Apago o sentido

E seguro o rumor dos teus ombros
Que obliquam nas vértebras do poema
Se afastam até às ossadas
De uma página ilesa.


*****

São fragílimas as aves do estio,
São puro segredo em suspensão no pericarpo do ar,
Duração de uma força tão leve
Que é fonte levitando
Nos triângulos cálidos dos telhados.

Asas dispostas sobre as asas
Quais sombras desarrumadas sob as sombras
Ou vogais que deflagram

Se visitam umas às outras
Numa imóvel profusão
De vozes polínicas
Pernoitando no silêncio fendido
Noutras bocas.

*****

Quando líamos na prosa dos nossos corpos
Volumes de melancolia do Bósforo nunca navegado
A minha atenção voltava-se,
Ígnea e azul,
Para as linhas da tua boca
Em dias de Outubro concentradas
Na ténue, fugidia,
Fosca carne do silêncio
Da tarde, dos remos da claridade,
Do amor.

Líamos como se durasse a exaltação das páginas lidas
Entre mastros e poros,
Pontes e salivas,
Como se durasse o desejo
Além do fim.

Quando líamos no presente dos corpos
O futuro incaducável
Procurávamos
A Istambul visitada
Em livros de Orhan Pamuk,
Um tempo emboscado,
Um sinal temido de viagem,
A fluvial essência do mistério
Ou uma desolação.




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