domingo, 25 de janeiro de 2015

Marguerite Yourcenar

FRAGMENTO DE "MEMÓRIAS DE ADRIANO"

Como toda gente, não disponho senão de três meios para avaliar a existência humana: o estudo de si mesmo, o mais difícil e o mais perigoso, mas também o mais fecundo dos métodos; a observação dos homens, que se arranjam frequentemente para ocultar-nos seus segredos ou por nos fazer crer que os têm; os livros, com os erros peculiares de perspectiva que surgem entre suas linhas. Li quase tudo que nossos historiadores, poetas e narradores escreveram, embora estes últimos tenham reputação de frívolos. A todos devo talvez mais informações do que as recolhidas nas mais diversas situações da minha própria vida. A palavra escrita ensinou-me a apreciar a voz humana, tanto quanto a grande imobilidade das estátuas levou-me a valorizar os gestos. Em compensação, e no decorrer dos tempos, a vida me fez compreender os livros.

Mas estes mentem, ainda os mais sinceros. Os menos hábeis, na falta de palavras e frases com que possam representá-la, traçam da vida imagem pobre e vulgar. Alguns, como Lucano, fazem-na pesada e obstruída por uma solenidade que ela não possui. Outros, pelo contrário, como Petrônio, fazem-na leve, transformando-a numa bola saltitante e vazia, fácil de receber e de atirar num universo sem peso. Os poetas transportam-nos a um mundo mais vasto ou mais belo, mais ardente ou mais suave, por isso mesmo diferente do nosso e, na prática, quase inabitável. [...]

[In Memórias de Adriano, Tradução de Martha Calderaro, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, 15a. ed,  p. 30]



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