sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Sebastião Uchoa Leite

EXERCÍCIOS NUMA MESA METAFÍSICA
Inclinado, numa cadeira entrançada,
fixava absorto o emaranhado da mesa
como se pretendesse adivinhar,
na permanência das fibras,
algo impermeável à sua vista.
Talvez a própria mesa se dissolvesse no tempo,
as tranças do assento, o mosaico xadrez,
a obsessão do finito.
Talvez um excesso de luz ou de sombra
o privasse da visão final
e uma profunda morosidade
o acolhesse.
A tarde era cheia de carícias.
Absorto numa mesa de cantina,
com lascivo pendor para objetos
fixados na imobilidade.
Em tudo um espírito erradio, mas
um ser engarrafado
com a própria liquidez
que toma a forma das coisas.

[In Obra em Dobras, São Paulo, Duas Cidades, 1988, p. 167]


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