POTLATCH
Onde o espírito se satisfaz,
mede-se a grandeza de sua perda
HEGEL
Do que perdi, nada tinha.
Lenha de cansaço na fogueira das feras,
meu rosto do canário e a noite esperando a música chegar.
Isso tudo caiu do meu bolso ao dobrar a esquina.
Meus ouvidos doem: uma gravidade solar
vergou a espinha do mundo e já não existem mais
retas, nem rios, nem gotas d’águas perdidas
nos pontos de fuga.
Um homem repousa a cabeça em fluxos de ciclone.
Há que se encontrar um gesto que faça calar
o silêncio das árvores.
Entre seivas, frestas de cascas e o derramar de folhas,
descansam cigarras e mais nada se ouve
nos azuis de maio.
Não vejo a luz.
Por trás das sombras, esperança de cores.
Meu espírito brincando de passa-anel enquanto dormia.
Oceano batendo no quintal
e cumplicidade com o infinito
no café da manhã.
Durmamos.
Os predadores foram devorados em fogueiras d’águas
aprisionadas.
Durmamos.
Os ossos das feras nos guardam em negros olhos
esbugalhados.
E não, não foram os gigantes.
Uma mão humana cravou o tempo nas entranhas das terras.
Posso assobiar horas nas linhas de eucalipto
mas é inútil vergar galhos quando o vento embala raízes.
Não reconhecer cicatrizes, não salivar feridas,
espreitar a dor. Trapacear.
Desfalecimento do espírito.
[In Inquietação-Guia 15 poetas em torno da Azougue, organização Sérgio
Cohn, Rio de Janeiro, Azougue Editorial, 2009, pp. 141-142]
segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015
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