sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Hébe Kouya Skandalakis

CÍCLICO
Pergunto à água — o que sou?
Água que entra pela terra e some.

Pergunto ao chão — o que sou?
Chão que esconde os ossos já desfeitos.

Pergunto ao vento — o que sou?
Vento, voz a lutar inutilmente
contra o silêncio e a neve.

Pergunto à luz — o que sou?
Luz que me devora e não se apaga.

Pergunto ao céu — o que sou?
Céu, refrigério da minha punição.
[De A barreira do silêncio]

JOANA D’ARC
Vinde, pois, chamas purificadoras
queimar, com a minha carne, as cadeias
que me prendem. Suportarei o martírio até
a fogueira tornar-se refrigério
e o terror meu êxtase.
[De Novos poemas]

SATYRICON
Perguntaram à baleia
se queria morrer
para transformar-se numa lépida
criatura do ar.
Ela respondeu: “Jamais!”
Queria mesmo era ficar para sempre
na segurança do seu líquido elemento,
uma baleia apenas, nada mais.
“Uma baleia por toda a eternidade! — exclamou alguém.
— Mas isso é monstruoso.
Se ao menos fosse, como eu,
um hipopótamo!”
[Idem]

[In PAES, José Paulo (seleção e tradução). Poesia moderna da Grécia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. p. 251].

Hébe Koúyia Skandaláki, cujo nome literário era Melissânthi, nasceu em Atenas em 1910, onde fez os seus estudos. Passou algum tempo num sanatório da Suíça tratando-se de tuberculose, e de volta a Atenas dedicou-se ao magistério e ao jornalismo. Além da poesia, cultivou a música e a pintura. Traduziu para o grego poetas americanos (Robert Frost, Emily Dickinson) e franceses (Verlaine, Pierre Garnier). O seu livro de estreia, Vozes de Inseto [Fonés Entornou], é de 1930. A ele se seguiram, nos anos subsequentes, dez outros, entre os quais O Retorno do Pródigo [Gyrismós toü Asótou, 1936], Forma Humana [Anthrópino Sxíma, 1961], A Barreira do Silêncio [Tò Fragma tís Siopís, 1965] e Novos Poemas [Néa Poiímata, 1974]. Alguns desses livros — mais tarde reunidos todos em Os Poemas de Melissânthi [Tà Poiímata tís Melissánthis, 1975] — foram distinguidos com prêmios literários, inclusive O Irmãozinho [O Mikrós Adelfós, 1960], uma peça de teatro para crianças. Morreu em 1990. 



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