sábado, 16 de maio de 2015

Breve Leonardo


VARIAÇÃO No. 5 (DAS CARTAS AO POETA)
Havia dentro da tua mão uma página que não arde

e nos teus livros ruas claras, cidades inteiras dum astro apenas. Eram corpos diurnos de pedras cujo nome não se diz ou não se sabe,

e no entanto, nelas, nas cidades do corpo, nas pequenas fracções de luz, nos detalhes da tinta do verso,

o pó regressará ao corpo, ao pó, e a cinza à manhã clara que nos deixaste construída na raiz, no sedimento da palavra; tudo permanecerá intacto

apesar da noite ou do dia, apesar da linha das fronteiras no mapa que não arde, apesar da mão onde repousa filtrada, a poeira, a forma, o pigmento vermelho fogo

o teu poema.

se tardio
.
se tardio o fugir da memória,
 como  riscar o último fósforo na escuridão
 e nele a pedra?

 e se por vezes enquanto arde o silêncio, o ténue fôlego da pedra
 alojada no corpo, o lenho que não se fez relíquia, e se arde

 sustido na respiração como limiar
 como espinho, como sopro,  como riscar o fogo
 no sono, e no rebento a escuridão?

 dizemos:
 é tardia a haste da asa, o limiar da asa no canto
 do chão. é tardio o silêncio recolhido da enxertia
 precária do voo, do vento. é tardia a criança, o hóspede
 que brinda em silêncio aos fogos da casa. minto,

 a memória não.

REMENDO FINITO  (reeditado)
«(…) esse além é um aquém inacessível
 é o teu lugar onde não estás
 é a proximidade das coisas que te fogem.»
António Ramos Rosa

Fosse ínfimo o verbo
um antes, um depois, um além
de mim

fosse feito de corpo definido
o exacto lugar
onde a mão se faz cinco tragos de cinza
arcos trigos,
tão absurdos e finitos

e traria no corpo
os remendos dos dias, as terras
por arder

prometidas por lugar
ao rosa cinza, ao baço coração
[aí dormirás a vida num sono só,
como a sílaba
na palavra]

e traria,
no corpo

mais que dias quebradiços
mais que pontos cardeais por consertar
em vão
no corpo,

e traria
o cada remendo do verbo
como mais um dia adiado.

_____________________

O jovem poeta português BREVE LEONARDO, há cerca de  cinco anos, iniciou A Barca dos Amantes, um blog  no qual partilha sua produção literária. Poemas publicados entre outubro de 2009 e outubro de 2010 foram recentemente lançados em forma de livro, com o título O Timbre e o Silêncio. A aquisição da obra, por ora, dá-se através dos seguintes contatos: breveleonardolivro@gmail.com ou pela página https://www.facebook.com/otimbreeosilencio

Andrii Yurlov‎


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