sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Luiza Neto Jorge

O ÊXODO
I
Ninguém duas vezes passa o rio
porque os rios se afastam para morrer
ou, correndo nós,
vivemos, disséssemos,
com os rios morrendo.

E com o nível posto
na baixa altura da nascente
incorressem os vivos e
corressem os mares que não
se ajuntam mais, na mesma igualdade
longínqua.

II

Dentro de dias morre
mais alguém
para o hermético triunfo
das paisagens.

Então os sítios vão
subindo
povoam-se e entreolham-se
desencantam-se.
A órbita apodrece
descrê-se o sol.


O SIMULACRO
Aprendam o simulacro daquilo
que me retém no meu vulto
de animal excessivo de
vegetação mais densa:

um pião pôs-se a rodar no mês de Maio
donde nasceram os lábios e várias forças
que frequentaram a terra, como a música de
concertina, o ventre, o touro.

Fez-se uma roda no mês de Maio, com lotaria
com tudo a sumir-se com tudo a unir-se
velhos a parecerem outra coisa mais leve
peixes converteram-se à fala prédios
ocuparam um lugar acrescentaram-se
vegetações por dentro e por fora.

Foi o simulacro. O touro riu-se.
Animais práticos bem falantes
roçaram pelo meu pelo. Vários voavam
para o centro vários espojavam-se no ar
houve quem sorrisse para dentro de uma
vasilha quem se forrasse de cobra
quem se cobrisse de folhas no sexo e o touro,
no mês astrológico de Maio, a rir-se.

[In Poesia (1960-1989), 2a. edição, Lisboa, Assírio & Alvim, 2001, pp. 149-151]




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