terça-feira, 18 de agosto de 2015

Pablo Neruda

6
Coração meu, sol
de minha pobreza
é este dia,
sabes?
este dia,
quase passou olvidado
entre uma noite
e outra,
entre
o sol e a lua,
os alegres deveres
e o trabalho,
quase passou
correndo
na corrente
quase cruzou
as águas
transparentes
e então
tu em tua mão
o levantaste
fresco
peixe
do céu
calha de frescor,
cheia
de vivente fragrância
umedecida
por aquele
sino matutino
como o tremor
do trevo
na aurora,
assim
passou às minhas mãos
e se fez
bandeira
tua
e minha,
recordo,
e percorremos
outras ruas
buscando
pão,
garrafas
deslumbrantes,
um fragmento
de peru,
uns limões,
um
ramo
em flor
como
aquele
dia
florido
quando
do barco,
rodeada
pelo escuro
azul do mar sagrado
teus pequenos
pés te trouxeram
baixando
degrau por degrau
até meu coração,
e o pão, as flores,
o coro
vertical
do meio-dia,
um abelha marinha
sobre as laranjeiras,
tudo aquilo
a nova
luz que nenhuma
tempestade
apagou na nossa casa
chegou de novo,
surgiu e viveu de novo,
consumiu
de frescor o almanaque.
Louvado seja o dia
E aquele dia.
Louvado seja
este
e todo dia.
O mar
sacudirá seu campanário.
O sol é um pão de ouro.
E o mundo está em festa.
Amor, inesgotável é nosso vinho.

[In Teus pés toco na sombra e outros poemas inéditos, tradução de Alexei Bueno, edição, introdução e notas Darío Oses, prólogo Pere Gimferrer, 1a. edição, José Olympio: Rio de Janeiro, 2015, pp. 41-47]

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