quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Ángelos Sikelianós

O APOCALIPSE
E a criação, como após
a morte de Deus, se enchera
de brumas. O ar nevoento,
que a espada de luz
das estrelas feria,
por toda parte estremecia
de antigo sofrimento...

A bruma se elevava, espessa
como o incenso da oferenda
fiel de uma escrava enquanto,
inundados de lua,
os olhos vertiam,
orvalho silencioso, o pranto.

E com as mãos rasguei
o ar enganoso à volta;
nos montes e nos mares
a meus olhos luzia
do profundo, sacro dia
da criação, o arrebol.
Uma lira soava
no ar tão intenso
— a do sol!

[De O vidente, 1]

CREPÚSCULO
E eu tinha os olhos cheios,
mas tão cheios de luz,
que se fechasse as pálpebras
ela jorraria como pranto,
como pranto — abrindo-se
em flores orvalhadas.
A luz cavava sulcos
em meu cérebro, aligeirando-o
como à árvore o vento
que lhe atira os frutos
ao chão, e aí,
libertas, as folhas
frondejam nas alturas
com um novo frêmito.
A luz cavava sulcos
em meu cérebro e corria-me
pelas veias, lenta, calma.

[Idem, III]

HOMERO
E o ombro tocou-me
mão que não se via;
e tive pena ao guiar um cego
pela rua sombria.
A alta lei não-escrita
da criação ouvia
eu, pálpebras bem abertas,
como quem não deseja
perder da grande luz
uma gota que seja.
No bosque à minha volta
noite adentro as azeitonas
se iluminavam do secreto
azeite que as sazona.

E enquanto ele ascendia, farto,
contemplando os longes, eu
anulava em meus olhos
a lágrima, como Odisseu.

[Idem, III]

SOBRE SIKELIANÓS

[In Poesia Moderna da Grécia, seleção, tradução direta do grego, prefácio, textos críticos e notas de José Paulo Paes, Rio, Ed. Guanabara, 1986, pp. 96-98].



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