Ele procurava palavras, as mãos tacteando na noite, ávidas ainda. A luz era débil, roubada ao sono. Chamava-as pelo nome, mas elas não vinham, voltava a chamar. Era o que lhe doía, aquele abandono. Com amor lhes queria, longamente sonhava com as faces do seu corpo fino, luzindo no escuro: essas folhas de aço, prontas a ferir. Navalhas, animais de funduras. Agora não respondiam, mesmo que gritasse. Era uma criança espancada, sem elas, um homem amargo, tocado pelo verde da lepra. Para não morrer precisava desse sol a prumo, dessas águas de seda. Estendidas. Sobre as ervas de junho.
INSÓNIA
Apaguei outra vez a lâmpada, procurei agarrar os fios do sono, mas o que se aproximou foi um camponês muito jovem, que atravessou a noite para saber o que é que me doía.
— O meu nome é Guérassim.
Devia responder-lhe que o conhecia bem, mas limitei-me a perguntar-lhe porque deixara a casa de Ivan Ilich.
— Agora és tu que precisas de mim. Que é que tens?
— O meu mal é sem remédio. O que eu queria era água, água. Água de quatro rios, sobre a garganta. Para adormecer. Com o sol na boca.
[In Poesia e Prosa [1940-1979], vol II, Imprensa Nacional - Casa da Moeda, Lisboa, 1980, pp. 194-195]
Nenhum comentário:
Postar um comentário