MONÓLOGO PARA CASSANDRA
Sou eu, Cassandra.
E esta é minha cidade sob as cinzas.
E estes são meu bastão e fitas de profeta.
E esta é minha cabeça cheia de dúvidas.
Triunfo, é verdade.
Minha razão em chamas até lambeu o céu.
Só os profetas desacreditados
têm essa vista.
Só aqueles que tiveram um mau começo,
e tudo podia concretizar-se tão rápido,
como se eles nunca tivessem existido.
Recordo claramente agora
como as pessoas, ao me ver, emudeciam.
Morria-lhes o riso.
Desentrelaçavam as mãos.
As crianças corriam para as mães.
Não sabia sequer seus nomes efêmeros.
E aquela canção sobre a folhinha verde —
ninguém a terminava na minha frente.
Eu os amava.
Mas amava do alto.
Acima da vida.
Do futuro. Onde sempre é vazio
e nada é mais fácil do que ver a morte.
Lamento que minha voz fosse dura.
Olhem para si mesmos das estrelas — bradava
olhem para si mesmos das estrelas.
Escutavam e baixavam os olhos.
Viviam na vida.
Varridos por um grande vento.
Já condenados.
Presos desde nascidos em corpos de despedida.
Mas havia neles uma esperança úmida,
uma chama que se nutre da própria cintilação.
Eles sabiam o que é um instante,
ah, ao menos um, um qualquer
antes que —
Foi como eu falei.
Só que disso não resulta nada.
E estas são minhas vestes chamuscadas.
E estes são meus trastes de profeta.
E esta é minha face contorcida.
Uma face que não sabia que podia ser bela.
In [Um amor feliz], tradução Regina Przybycien, Companhia das Letras, 2016
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