domingo, 24 de novembro de 2019
Graça Pires
Um dia nos pátios das casas
hão-de acender-se fogueiras
para atrair a chuva
como uma crendice de tempos remotos.
Seremos, passo a passo,
errantes de longínquas viagens
ou peregrinos perseguidos em tempos de oração.
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Escavo no peito um declive de seara
para ceifar o pão e roçar o ventre
no aroma dos fenos, até que o fermento
levede o trigo por entre os dedos do estio.
As farpas de um arado podem sulcar-me a pele
porque é de terra o molde do meu corpo.
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Escrevemos mar como se fosse a palavra
única que nos circunda a fala.
Quando éramos crianças tínhamos os barcos de papel.
E havia traineiras em que os pescadores manchados
de sal e sangue enfrentavam a tormenta de cada dia.
Agora, de quilha inquieta, os navios ferem
as entranhas da água e cingem-nos no olhar
o negro das marés e dos limos
que morrem na praia, onda após onda,
num extenuado adeus ao apelo dos corais.
(Em Uma vara de medir o sol, São Paulo: Intermeios, 2012)
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