sexta-feira, 15 de junho de 2012

Marguerite Duras

EXCERTO DE "OLHOS AZUIS CABELOS PRETOS"
Sem dúvida ainda é noite. Nenhuma claridade chega do lado de fora. Em torno dos lençóis brancos, o homem que caminha, que se volta.
O mar chegou em frente ao quarto. A manhã não deve estar longe. É o mar insone que está ali, bem próximo às paredes. É mesmo o seu rumor, vagaroso, exterior, aquele que leva a morrer.
Ela abriu os olhos. Eles não se olham.
Há várias noites que isso acontece.
Nenhuma definição exterior se apresenta para explicar o que estão vivendo. Nenhuma solução para evitar o sofrimento.

Ela dorme. Ele chora.

Chora por uma imagem distante da noite de verão. Precisa dela, da sua presença no quarto para chorar o jovem estrangeiro de olhos azuis cabelos pretos.

Sem ela no quarto a imagem permaneceria estéril, dessecaria seu coração, seu desejo.
O corpo, ele não o vira. Apenas que usava roupas brancas, uma camisa branca.
Pálido, era pálido, vinha do Norte, do país secreto.
Alto.
A voz, ele não sabe.
Parou de se mexer. Refaz o trajeto do parque do hotel à janela do vestíbulo.
Ouve, olhos fechados. Ouve o grito. Continua não percebendo nenhuma palavra, nenhum sentido. Quando abre os olhos já é muito tarde, o corpo de olhos azuis caminha em silêncio para a janela aberta.
A ela, não fala dele. Não lhe passa pela cabeça. Não fala de sua vida. Nunca pensou que se pudesse fazê-lo. As palavras não estão ali, nem a frase onde colocar as palavras. Para eles dizerem o que lhes acontece há o silêncio ou então o riso ou, às vezes, por exemplo, com elas, chorar.
Ela o olha. É assim que o vê em sua ausência, tal como está ali. Repleto de imagens mudas, embriagado de sofrimentos diversos, do desejo de recuperar um objeto perdido assim como de comprar um que ainda não possui e de repente se transforma em sua razão de ser, essa roupa, esse relógio, esse amante, esse carro. Onde quer que esteja, o que quer que faça, sempre um desastre particular.
Ela pode olhá-lo por muito tempo, noites. Ele percebe que seus olhos estão abertos. Sorri para ela como se tivesse sido de alguma forma desmascarado, contrito, sempre na interminável desculpa por viver, por ter de fazê-lo.

[In "Olhos Azuis Cabelos Pretos",  Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, pp. 48-51]


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