Aquele Amor
"Continuo em ter dificuldade
em dizer a palavra. Não conseguia dizer o nome dela. Só escrevê-lo.
Nunca consegui tratá-la por “tu”. Por vezes ela teria gostado. Que eu a
tratasse por “tu”, que a chamasse pelo seu nome. Não me saía da boca,
não conseguia. (...) E essa impossibilidade de a chamar pelo nome, acho
que vem disto: primeiro li o apelido, olhei para o apelido, o nome e o
apelido. E esse nome encantou-me imediatamente. Esse pseudónimo
literário. Esse apelido emprestado. Esse nome de autor. Esse nome
agradava-me simplesmente. Esse nome agrada-me infinitamente (...)
Sou
um leitor. O leitor primordial, visto amar todas as palavras,
integralmente, sem qualquer contenção. E esse nome de cinco letras,
DURAS, amo-o absolutamente. Caiu-me em cima. Nunca mais a deixei e não a
consigo deixar. Nunca. E ela também não.
Mantém-me fechado
no quarto escuro. Não suporta que qualquer outra pessoa possa ver-me.
Quer ser a preferida. A única. De todos. De toda a gente. E eu, do mesmo
modo, sou o preferido.
Gostamos um do outro.
Gostamos infinitamente um do outro.
Gostamos um do outro de modo absoluto.
Você
morreu a 3 de Março de 1996 às 8 horas e 15, na sua cama, na rua
Saint-Benoît. Eu não vim. Deixei-a. Você morreu. Eu não. Eu fiquei cá e
estou aqui a escrever-lhe. E isto fá-la rir: mas por quem é que ele se
toma, por um escritor, esta agora. Você ri. E diz: não tem mais nada
para fazer, só escrever, não interessa o quê, continue, tem um tema
maravilhoso, um tema de ouro, sou eu que lho digo, vá, pare de se armar
em parvo, escreva, não vale a pena matar-se, não se faça de imbecil.
Qual é o tema.
E
então aparece o sorriso. A sua cara torna-se numa cara de criança, uma
criança que sabe, que sabe tudo na inocência perfeita de um ser
inaudito. Nesse sorriso da cara toda, da cabeça toda, do espírito todo,
do coração todo, poder-se-ia dizer, você diz: o tema sou eu.
Se
calhar não devia ter dormido, se calhar devia tê-la ouvido mais, estar
mais presente, amar mais, nunca o fazemos o suficiente, não podemos
imaginar que o último dia está muito próximo, não podemos porque você
fala noites a fio, deveríamos, sim, fazer mais, mas o quê, inventar uma
espécie de amor ainda maior do que aqueles livros, mas como fazê-lo,
como é possível. Certas noites eu queria dormir e dizia-lhe para se ir
embora, para ir para o seu quarto, sozinha perante a morte, certas
noites já não aguentava mais, mandava-a embora, fazia-o e nunca uma
queixa, ia para o seu quarto furiosa à espera de morrer. No dia seguinte
voltava.
Estamos sozinhos fechados neste apartamento da rua Saint-Benoît. Esperamos pelo último dia. Só sabemos isso".
Excertos – Yann Andréa, Aquele Amor, Lisboa, Quetzal Editores [acerca do seu amor pela escritora e cineasta Margerite Duras]
Fonte: http://paraaposteridade.blogspot.com.br/
sábado, 16 de junho de 2012
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