domingo, 8 de julho de 2012

Carlos Ruiz Zafón

EXCERTO DE "A SOMBRA DO VENTO"

- Este lugar é um mistério, Daniel, um santuário. Cada livro, cada volume que você vê, tem alma. A alma de quem o escreveu, e a alma dos que o leram, que viveram e sonharam com ele. Cada vez que um livro troca de mãos, cada vez que alguém passa os olhos pelas suas páginas, seu espírito cresce e a pessoa se fortalece. Faz já muitos anos que meu pai me trouxe aqui pela primeira vez, este lugar já era velho. Quase tão velho quanto a própria cidade. Ninguém sabe ao certo desde quando existe ou quem o criou. Conto a você o que me contou meu pai. Quando uma biblioteca desaparece, quando uma livraria fecha as suas portas, quando um livro se perde no esquecimento, nós, guardiãos, os que conhecemos este lugar, garantimos que ele venha para cá. Neste lugar, os livros dos quais já ninguém se lembra, os livros que se perderam no tempo, viverio para sempre, esperando chegar algum dia às mãos de um novo leitor, de um novo espírito. Na loja, nós os vendemos e compramos, mas na verdade os livros não têm dono. Cada livro que você vê aqui foi o melhor amigo de um homem. Agora só tem a nós, Daniel. Você acha que poderá guardar este segredo?

Meu olhar perdeu-se na imensidão daquele lugar, na sua luz encantada. Assenti, e meu pai sorriu. 

- E sabe do melhor? - perguntou. Neguei em silêncio.

- É hábito nosso, da primeira vez que alguém visita este lugar, que escolha um livro, aquele que preferir, e que o adote, garantindo assim que nunca desapareça, que se mantenha vivo para sempre. É uma promessa muito importante. Pela vida afora explicou meu pai. - Hoje, é a sua vez.

Por quase meia hora perambulei pelos esconderijos daquele labirinto com cheiro de papel velho, pó e magia. Deixei que minha mão roçasse as avenidas de volumes expostos, numa tentativa de fazer a minha escolha. Percebi, entre os títulos apagados pelo tempo, palavras em línguas conhecidas e dezenas de outras que não podia reconhecer. Percorri corredores e galerias em espiral, repletos de milhares de volumes que pareciam saber mais a meu respeito do que eu sobre eles. Aos poucos, assaltou-me a idéia de que atrás da capa de cada um daqueles livros se abria um infinito universo por explorar e que, fora daquelas paredes, o mundo deixava que a vida passasse em tardes de futebol e em novelas de rádio, satisfeito em ver apenas até onde vai o seu umbigo e pouco mais. Talvez tenha sido esse pensamento, talvez o acaso ou seu parente elegante, ,o destino, mas naquele mesmo instante percebi que já tinha escolhido o livro que ia adotar. Ou talvez devesse dizer, o livro que me adotaria. Ele se destacava timidamente no canto de urna estante, encadernado numa capa cor de vinho e sussurrando seu título em letras douradas que brilhavam na luz vinda da cúpula no alto.

ZAFÓN, C. R., A Sombra do Vento, Rio de Janeiro: Objetiva, 2004, p. 9, trad. Márcia Ribas

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