terça-feira, 7 de agosto de 2012

Alexandre Magno da Silva

"Em tom solene diante da folha em branco com os cabelos desgrenhados e os lábios finos inconfundíveis, eis o poeta. Num movimento amplo do braço direito, feito um regente, um verso inteiro, límpido, amplo e impenetrável, nascido como a letra pintada de única feita pelo mestre japonês. As mãos abertas diante da folha e a aproximação, a releitura, ele não tem dúvida, é a Musa. Abruptamente dá um tiro no peito dela e recomeça o árduo trabalho do verso. Acampa em volta da fogueira da inspiração, mas tira o brilho, os enfeites, a pompa e a afetação. Outro verso e mais outro. Relê em voz alta, “não, não é isso”. Recomeça, revolve as palavras uma a uma, procura livros, fuma um cigarro e olha pela janela, o tempo da chama é o tempo para a rima e eis que ela surge. “Não, rima, não. Os poetas modernos já não se interessam mais por este tipo de coisa, que o verso seja livre, como o pensamento e o sentimento”. Senta-se novamente, ajeita a cadeira, ergue o braço direito, olha para o teto e pára no ar como um beija-flor. Nada. Dá um murro na folha. “Estúpida”, esbraveja, “porque não te revelas?”. A folha é amassada e jogada à lixeira como o caroço de uma fruta. O poeta pega outra folha, praticamente a agarra, “será ela, será esta, o claro enigma da poesia está nesta folha!”. Olha desconfiado, meio que de lado, abaixa a mão direita sobre ela e sente a sua textura, como que lhe fazendo um carinho. Mas não a compra. Outro caroço, agora como se fosse da alma, é jogado ao lixo. Caminha pelo quarto, releitura de velhos amigos, Horácio, Dante, Pessoa, Drummond: declama, proclama, reclama. Senta-se, novamente, vencido. O poeta não tem nada a dizer. E do modo como fica, sentado como fica, o braço, seco, velho e gasto segurando a cabeça que pende, confusa e aborrecida, as pernas desalinhadas e os pés descalços, ele todo, no conjunto, imagem do poema perfeito, inacreditável na beleza e expressão."

© Alexandre Magno

Escritor catarinense
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