terça-feira, 7 de agosto de 2012

Alphonsus de Guimaraens Filho



Já me cansei do ofício triturante
de procurar o sumo das palavras.
Quero ouvir outra voz, não esta que foi minha.
Quero outro sol, não este que anoitece
meu coração e o crispa e farpa e deita
âncora a cegos, barcos para os mortos.

Oscila minha voz entre o clamor
da vida ensanguentada e perseguida
pelos punhais de fogo do real.

Vou pelas ruas que não vi: não quero
ver nas fábulas mais que nas calçadas.
Quem canta? Já me canso do que cantam.
Já me canso dos cantos dissipados
como grandes hortênsias nos jardins
onde rendeiras cegas bordam harpas.

Já me cansei dos portos invisíveis.
Do silêncio das casas cor de morte,
dos quintais onde háfrutos para bocas
surtas do sulco em brasa da agonia.

Já me cansei o ofício triturante
de procurar o sumo das palavras.
Pois se palavra sou, se sou o verbo,
quero me inocentar de quanto fere
meu desalento e solidão, criar-me
à minha própria semelhança, ter
uma certeza ao menos entre instáveis
e vacilantes coisas que me olham
como se alguma culpa lhes pesasse,
como se a minha culpa lhes pesasse.

Quero uma voz que fenda o ser e varra
essa fina poeira incandescente
em que de todo me queimei sonhando,
desconhecendo.

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