GOVERNAR
Os garotos da rua resolveram brincar de Governo, escolheram
o Presidente e pediram-lhe que governasse para o bem de todos.
— Pois não — aceitou Martim. — Daqui por diante
vocês farão meus exercícios escolares e eu assino. Clóvis e mais dois de vocês
formarão a minha segurança. Januário será meu Ministro da Fazenda e pagará o
meu lanche.
— Com que dinheiro? — atalhou Januário.
— Cada um de vocês contribuirá com um cruzeiro
por dia para a caixinha do Governo.
— E que é que nós lucramos com isso? —
perguntaram em coro.
— Lucram a certeza de que têm um bom Presidente.
Eu separo as brigas, distribuo tarefas, trato de igual para igual com os
professores. Vocês obedecem, democraticamente.
— Assim não vale. O Presidente deve ser nosso
servidor, ou pelo menos saber que todos somos iguais a ele. Queremos
vantagens.
— Eu sou o Presidente e não posso ser igual a
vocês, que são presididos. Se exigirem coisas de mim, serão multados e
perderão o direito de participar da minha comitiva nas festas. Pensam que ser
Presidente é moleza? Já estou sentindo como este cargo é cheio de espinhos.
Foi deposto, e dissolvida a
República.
HISTÓRIA MALCONTADA
A HISTÓRIA de Chapeuzinho Vermelho sempre me pareceu mal contada, e não há esperança de se conhecer exatamente o que se passou entre ela, a avozinha e o lobo.
Começa que Chapeuzinho jamais chegaria depois do lobo à choupana da avozinha. Ela vencera na escola o campeonato infantil de corrida a pé, e normalmente não andava a passo, mas com ligeireza de lebre. Por sua vez, o lobo se queixava de dores reumáticas, e foi isto, justamente, que fez Chapeuzinho condoer-se dele.
Estes são pormenores da versão da história, ouvida por Tia Nicota, no começo do século, em Macaé. Segundo ali se dizia, Chapeuzinho e o Lobo fizeram boa liga e resolveram casar-se. Ela estava persuadida de que o lobo era um príncipe encantado, e que o casamento o faria voltar ao estado natural. Seriam felizes, teriam gêmeos. A avozinha opôs-se ao enlace e houve na choupana uma cena desagradável entre os três. O lobo não era absolutamente príncipe, e Chapeuzinho, unindo-se a ele, transformou-se em loba perfeita, que há tempos ainda uivava à noite, nas cercanias de Macaé.
HISTÓRIAS PARA O REI
Nunca podia imaginar que fosse tão agradável a função de contar histórias, para a qual fui nomeado por decreto do Rei. A nomeação colheu-me de surpresa, pois jamais exercitara dotes de imaginação, e até me exprimo com certa dificuldade verbal. Mas bastou que o Rei confiasse em mim para que as histórias me jorrassem da boca à maneira de água corrente. Nem carecia inventá-las. Inventavam-se a si mesmas.
Este prazer durou seis meses. Um dia, a Rainha foi falar ao Rei que eu estava exagerando. Contava tantas histórias que não havia tempo para apreciá-las, e mesmo para ouvi-las. O Rei, que julgava minha facúndia uma qualidade, passou a considerá-la defeito, e ordenou que eu só contasse meia história por dia, e descansasse aos domingos. Fiquei triste, pois não sabia inventar meia história. Minha insuficiência desagradou, fui substituído por um mudo, que narra por meio de sinais e arranca os maiores aplausos.
(Contos Plausíveis)
In POESIA E PROSA, Rio de Janeiro: Ed. Nova Aguilar, 1992, 1268-1269
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