Se de novo passares,
não procures por mim.
Preservemos o fim
dos saudosos olhares.
Bem sei que a noite e os rios
engendram muita flor
parecida
com o amor,
em seus ermos sombrios.
Mas nem penso aonde vais.
Adormeço nos prados
com os lábios
ocupados
no néctar do jamais.
Um tempo sem fronteiras
se abriu diante de nós.
Quando tiveram voz
as verdades inteiras?
Ai, talvez noutro instante
chegue perto de ti,
para ver que
perdi
minha alma antiga, — e cante.
Talvez chegue, talvez,
mas que não seja agora,
quando quem
foste chora
aquilo que não vês.
Uma vaga canção
cantarei com doçura,
e será morte escura
sobre o meu coração.
DECLARAÇÃO DE AMOR EM TEMPO DE GUERRA
Senhora, eu vos
amarei numa alcova de seda,
entre mármores claros e altos ramos de rosas,
e
cantarei por vós árias serenas
com luar e barcas, em finas águas melodiosas.
(Na minha terra, os homens, Senhora,
andavam nos campos,
agora.)
Para ver vossos olhos, acenderei as velas
que tornam suaves
as pestanas e os diamantes.
Caminharão pelos meus dedos vossas pérolas,
— por minha alma, as areias destes límpidos instantes.
(Na minha terra, os homens, Senhora,
começam a sofrer,
agora.)
Estaremos tão sós, entre as compactas cortinas,
e tão graves
serão nossos profundos espelhos
que poderei deixar as minhas lágrimas
tranquilas
pelas colinas de cristal de vossos joelhos.
(Na minha terra, os homens, Senhora,
estão sendo mortos,
agora.)
Vós sois o meu cipreste, e a janela e a coluna
e a estátua
que ficar, — com seu vestido de hera;
o pássaro a que um romano faz a última
pergunta,
e a flor que vem na mão ressuscitada da primavera.
(Na minha terra, os homens, Senhora,
apodrecem no campo,
agora...)
In: Obra Poética, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1983, pp. 356-357
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