sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Hilda Hilst


XXIII
Essa lua enlutada, esse desassossego
A convulsão de dentro, ilharga
Dentro da solidão, corpo morrendo
Tudo isso te devo. E eram tão vastas
As coisas planejadas: navios,
Muralhas de marfim, palavras largas
Consentimento sempre. E seria dezembro.
Um cavalo de jade sob as águas
Dupla transparência, fio suspenso
Todas essas coisas na ponta dos teus dedos
E tudo se desfez no pórtico do tempo
Em lívido silêncio. Umas manhãs de vidro
Vento, a alma esvaziada, um sol que não vejo

Também isso te devo.

XXIV
Ai, que distanciamento, que montanha, que água 
Estes rios fundos, o meu sumo escorrendo,
Esta chaga, ai, senhor, que já não vejo 
O tempo, ando ensombrada 
Quase dormida e insone pela casa
E ao mesmo tempo raposa perseguida:
Se ontem ousava correr, hoje não ousa.
Antes se alegra
Do ouvido que escuta os cavalos correndo 
A música dos instrumentos, dos cães o latido 
E se deixa matar. Ai de mim, me conhecendo 
Penitente sem ser preciso, com esse viço do amor. 
Não me sabendo nunca perseguida
Mas sendo caça, indo à frente 
E perseguindo o caçador.

(Do Amor, Massao Ohno Editor: São Paulo, 1999, pp. 32-33)

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