terça-feira, 16 de outubro de 2012

Olga Orozco

CAVALGADA DO TEMPO
Inútil. Será inútil, novamente,
suspender da noite, sobre densas correntes de folhagem,
a imagem lenta de um futuro que revigora a memória;
penetrar no ócio dos dias que foram sucedendo com terror
e paciência
a mesma realidade alucinada que hoje contemplo,
já quase no olhar;
repetir ainda com uma voz que sinto pesar em minhas mãos:
- Estive alguma vez, talvez regresse ainda, à beira da paz,
como uma flor que vê transcorrer seu belo tempo na foz de um rio.

Tudo será em vão.
Manadas de cavalos ascenderão bravias as colinas de seu
inferno natal
e escutarei seu passo cadenciado, seu trote, seu galope selvagem,
atravessando séculos e séculos de penumbra,
de submissas distâncias que irremediavelmente aqui as trazem.

Talvez seria doce reconquistar agora uma música antiga,
profunda e persistente como o eco de um grito entre os sonhos,
sucumbir sob o verde torpor das planícies
ou morrer com a chuva, tristemente,
entre ramos chorosos que sombrearam antiquíssimas paredes.

Impossível. Só um fragor imenso de ruínas sobre ruínas.
É o desesperado retorno dos tempos que não foram cumpridos
nem na glória da vida nem na verdade da morte.
É a amarga prece  que elevam os anjos rebeldes
chamando a cada lugar onde possa morar seu deus irrecobrável.
É o tropel contínuo de seus lustrosos potros enlutados
que assomam às portas da noite a enorme labareda
de suas crinas,
que apagam com mortalhas de vapor e de pó  toda treva muda,
agitando suas caudas como lisas fitas escorridas na tempestade.
O sangue arrependido, seus heroicos tormentos.

E nada resta em ti, coração assediado:
apenas uma cor, um brilho mortal,
a sagrada mensagem que deixara a terra entre seus muros,
perdem-se, ao longe,
sob um mesmo compasso idêntico e glorioso como a eternidade.

Fonte: Olga Orozco, Poesía Completa, Adriana Higaldo Editora: Buenos Aires, 2011, pp. 64-65.
Tradução: José Pires Cardoso e Antonio Damásio Rêgo Filho


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