VIZINHA
Vizinha,
me dá um pouco da tua sopa
me deixa partilhar o azeite
e as batatas da tua ceia
estou tão triste.
A esta hora da noite
sois ao redor da mesa
uma família
e o vapor da terrina embaça os óculos
do homem
e as crianças riem.
Sei muito bem das vossas dificuldades
que o dinheiro é pouco e a paixão
já se acabou
porém
vizinha
tua sopa cheira bem, teus filhos estão crescendo
tens um canário e rosas
e não sabes de nada;
abre a porta, vizinha, e me admite no seio
dessa coisa que um dia eu supus acabada
que eu detesto e desejo,
e não compreendo.
Por favor, por favor,
deixa-me entrar, vizinha.
Estou tão triste.
[In Obra Poética, Editora Hucitec: São Paulo, 1995, p. 293]
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