sábado, 8 de dezembro de 2012

Adriana Lisboa

PRESENTE

para Claudia Roquette-Pinto
O menino no sinal me pede uma esmola. Vê o meu rosto cansado, os meus músculos bradando urgências, a minha vida resfolegando, os meus sustos. Eu digo, no sinal, que fujo de alguma coisa rumo a outra que está muito longe.

O menino me dá uma esmola: seu sorriso. No tempo que para, percebo que sou eu a sorrir no menino enquanto sou eu do lado de cá, dentro do carro, e eu e o menino nos fitamos com um só olhar. Sem desespero e sem esperança.

Quando o sinal abre, minhas mãos custam um pouco a retomar o mundo que buzina lá fora, implorando esmolas. Sinto o motor do carro afagando o asfalto e venho de alguma coisa rumo a outra que talvez não esteja tão longe assim.

[Caligrafias, Rio de Janeiro: Rocco, 2004, p. 31]


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