Perdoem a imprudência, estou de passagem,
despenquei nesta página, não soube
medir as minhas forças, apurar a brisa,
resistir ao seu enérgico convite,
a página pedia um desalento
à altura do pranto e dos sapatos,
mas não estava eu para defuntos,
brotou em mim uma sonora gargalhada,
um carvalho pendurado de um trapézio,
um tigre amamentando uma gazela,
uma centopeia saudando, inumerável,
nada é seguro aqui, já me dou conta,
por desgraça a página está inquieta,
reclama já seu fastio imemorial,
e eu nos musaranhos, tão contente,
encouraçado, enfim, feliz, já vem,
pouco propenso à melancolia,
convocando o desejo na figura
de uma mulher no término do gozo,
sem tristeza post-coitum, não faz mal,
esplêndido animal, fruta sem dono,
deslumbrante na página, sensual,
uma refutação da elegia,
uma celebração da alegria,
corpo fugaz, matéria derramada,
zomba da página, transpira,
deixo-os com seu deleite, não sem antes
convidá-los a arder pelas raízes,
a viver pela pele na contramão,
não quero saber se a página
persiste por inércia em sua aflição,
se gosta de sofrer é problema dela,
nós com o que é nosso, até o mar alto.
Marcone Moreira |
Eduardo García, Antologia Pessoal, Brasília: Ed. Thesaurus, 2011, p. 105, trad. Antonio Miranda
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