
Estamos próximos, Senhor,
próximos e palpáveis.
Palpados já, Senhor,
Agarrados uns aos outros, como se
o corpo de cada um de nós fosse
teu corpo, Senhor.
Roga, Senhor,
roga por nós,
estamos próximos.
Empurrados pelo vento fomos,
fomos até lá para curvar-nos
rumo a vale e cratera.
Havia sangue, havia
o que verteste, Senhor.
Brilhava.
Cristal, São Paulo, Ed. Iluminuras, 1999, seleção e tradução Cláudia Cavalcanti, p. 67
OS CÂNTAROS
Nas longas mesas do tempo
embebedam-se os cântaros de Deus.
Eles esvaziam os olhos de quem vê e de quem
[não,
os corações das sombras reinantes,
o magro rosto da noite.
São os maiores bebedores:
levam à boca o vazio como o pleno
e não transbordam como eu ou tu.
Cristal, São Paulo, Ed. Iluminuras, 1999, seleção e tradução Cláudia Cavalcanti, p. 41
CANÇÃO DE UMA DAMA NA SOMBRA
Quando vem a taciturna e poda as tulipas:
Quem sai ganhando?
Quem perde?
Quem aparece na janela?
Quem diz primeiro o nome dela?
É alguém que carrega meus cabelos.
Carrega-os como quem carrega mortos nos braços.
Carrega-os como o céu carregou meus cabelos no ano em
[que amei.
Carrega-os assim por vaidade.
E ganha.
E não perde.
E não aparece na janela.
E não diz o nome dela.
É alguém que tem meus olhos.
Tem-nos desde quando portas se fecham.
Carrega-os no dedo, como anéis.
Carrega-os como cacos de desejo e safira:
era já meu irmão no outono;
conta já os dias e noites.
E ganha.
E não perde.
E não aparece na janela.
E diz por último o nome dela.
É alguém que tem o que eu disse.
Carrega-o debaixo do braço como um embrulho.
Carrega-o como o relógio a sua pior hora.
Carrega-o de limiar a limiar, não o joga fora.
E não ganha.
E perde.
E aparece na janela.
E diz primeiro o nome dela.
E é podado com as tulipas.
(Tradução: Claudia Cavalcanti )
Fonte: www.culturapara.art.br
Sobre Paul Celan
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