INVOCAÇÃO AO AMOR
Pedir-te a sensação
a água
o travo
Aquele odor antigo
de uma parede
branca
Pedir-te da vertigem a certeza
que tens nos olhos quando
me desejas
Pedir-te sobre a mão
a boca inchada
um rasto de saliva na garganta
Pedir-te que me dispas
e me deites
de borco e os meus seios na tua cara
Pedir-te que me olhes e me aceites
me percorras
me invadas me pressintas
Pedir-te que me peças
que te queira
no separar das horas sobre a língua
Meu ciúme
meu perfil
minha fome
Meu sossego
minha paz
minha aventura
Meu sabor
minha avidez
saciedade
Minha noite
minha angústia
meu costume
TU
Com esse teu ar
de arcanjo negro
pálido e magro
triste e alheado
ficas por vezes quase etéreo
calado
enquanto eu te olho docemente
Num espanto condenado
quase místico
debruço-me secreta à tua beira
e numa espécie de prece
porque existes
alheado magro
belo e triste
estou de joelhos meu amor
e beijo-te
(Palavras Secretas, São Paulo, Ed. Escrituras, 2007, p. 41-43)
ACUSAÇÃO NO VENTO
Acusaram-me as mãos
na loucura das luas
inclinadas na cintura
das noites
A angústia das aves
só duas
em horizontal no coração das gôndolas
celebraram a paixão
dos amantes sem lábios
rarearam os pianos
nos sonhos
nos espelhos
a angústia
tomou a forma
duma mulher
vestida de encarnado
paixões desencontradas
no som dos violinos
mortos pelo vento
pântanos na vertigem
das princesas
deslealdade
das luzes de neon
entornada nos lagos
acusaram-me os arbustos
nos cabelos
(Palavras Secretas, São Paulo, Ed. Escrituras, 2007, p. 19)
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