sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Reynaldo Valinho Alvarez

Uivam lobos até que chegue a aurora
Uivam lobos até que chegue a aurora,
entre árvores sombrias, em ignotos
cimos selvagens, nos rincões remotos,
mais para lá, onde a saudade mora.
Enquanto a noite, entre soluços, chora,
os maltrapilhos fogem. Vão, devotos,
cheios de medo, a murmurar seus votos
de que não sofram nenhum mal nessa hora.
Mude-se o olhar agora para as ruas
sem lobos pelas noites, mas de cruas
explosões de uma raiva que assassina.
Eis aqui a colheita de perigos:
são todos a fugir, não só mendigos.
Mais que o lobo, é o homem que extermina.

Não pergunteis aos que andam no caminho
Não pergunteis aos que andam no caminho
por que se foram cedo de suas casas
e andam agora a suportar as brasas
de um martírio cruel, rude e mesquinho.
Antes deveis deixar de lado o vinho
e olhar bem dentro dessas almas rasas,
que se arrastam na rua, aves sem asas,
à procura de um pouco de carinho.
Desde a aurora, a chorar. Até a noite
não há, para ajudá-las, quem se afoite
e infortunadas vão, tão infelizes.
Eis aí quanto horror há nessas vidas,
a matar-se entre si, enlouquecidas,
reabrindo as fechadas cicatrizes.

Esse passar do tempo, essa miséria
Esse passar do tempo, essa miséria
dos dias submergidos, essas horas
que escorrem devagar, essas auroras,
o amanhecer tardio, essa matéria
feita de lodo e espuma, essa bactéria
no mais fundo do estômago, essas floras
de flores más, fanadas e inodoras,
o sangue derramado pela artéria,
todas as coisas que o caruncho come,
mais o mal dentro do homem, qual a fome,
vertendo-se nas taças do ódio fero,
revelam cada um vivendo um drama,
desde que o pare a mãe em sua cama
até que veja em si não mais que um zero.

Contam os ventos lendas que, na rua
Contam os ventos lendas que, na rua,
não são mais que verdade. Aí vai com fome
o homem que desconhece o próprio nome,
mas, com frequência, exibe sua alma nua.
Cada homem tem, na rua, o palco e atua
sem atingir a glória do renome
e vai comendo o seu deserto abdome,
seu celeiro sem grão da vida crua.
Voam pássaros livres sobre o asfalto,
mas o homem segue escravo, em sobressalto,
catando níqueis e fingindo o riso.
Enquanto aspira os gases dos motores,
deixa na rua um rastro mau de dores,
abandona a esperança e perde o siso.

Fonte: Revista da Academia Brasileira de Letras, n. 57

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