sábado, 30 de março de 2013

Paulo José Miranda

Já nada tarda
Por vezes, tudo é tão tarde que já nada tarda.
Um pouco de imaginação e a humilhação é doce.
E o que cresce dentro de nós não clama unidade,
espera-se o sol, qualquer flor do prado,
Chamamos homem a tão pouco e até se ama por isso.
Veste-te, agora veste-te para a cidade,
escuta os malefícios de um gesto que não quiseste.
Mais simples que isto não consigo,
tudo é tão tarde que já nada tarda.

Devolução
Não sinto culpa por não saber o nome das flores.
Foram dúvidas o que sempre tive,
e as dores não admitem nomes.
Uma vez não acreditamos já tudo ter sido dito.
Espera-se numa palavra a devolução do amor.

O sábio
Despojou-se das metáforas,
depois sentou-se nos seixos do rio
a escutar as águas.

A liberdade de Jeremias
Jeremias libertado na dor do espaço.
Aqui, Lisboa é o pior dos séculos.
Deus - Senhor, perdão! - onde estás?
Sequer uma voz vinda de longe, um sorriso,
uma mão que me acalme.
Já noite, o calor intempestivo de insectos,
as ruas passam ao largo das tabernas, de todos outros.
O pouco que sabe não lhe dá que fazer,
e quão difícil não pecar, rejeitar um verso.
Sem passos ao lado, voz,
p'ra'qui entregue a estes livros,
Jeremias escuta o pó de alguns
animais e os donos em viagem.
Quem parte assim de noite - já foge - procura?
Libertado - e não quer dizer nada - o profeta.

In A voz que nos trai,  Lisboa: Ed. Cotovia, 1997. 









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