terça-feira, 23 de abril de 2013

Luís Costa

Sou uma violação fabulosa. a morte na minha mãe ainda viva.
um exilado. órfão. suspeito. um caçador entre os mortos.
e mastigando dessa fertilidade, deambulo, florido, por ruas
obscuras.
as árvores como incudes. uma revolução de eras
subindo pelas estátuas. e dentro, o meu grito, cuneiforme,
febril, arremessando navalhas.
ah! ouço-me. repartido. ah! ouço-me. inteiro.
ouço-me, regressando à pia baptismal. àquela hora em que
o medo era branco, branco como as nódoas mais brancas.
ah ! o medo. a glória do medo. e os olhos vazios, súbitos,
abrindo-se, azuis,
como os filhos mais amados de uma raça nobre,
mas barbárica.
e ao alto, a mão do padre, a mão fina, mas furiosa, ordenando:
ergue-te e anda! ergue-te e anda!
e assim me ergui dos mortos, e no rosto enrugado da minha avó
reconheci um sol, a sombra mais velha do sol.

In: Topografia abissal


Fonte: https://www.facebook.com/groups/221722414629884/

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