SETE
Tudo jaz,
diluído e cintilante, numa profunda névoa.
Nada, porém, se perde ou esquece, embora tão finamente
disperso nessa grandeza.
Gastam-se as imagens e os símbolos; mas a essência resiste.
Realejos e sinos vibram, com as hélices, os cânticos e os
gritos,
e tudo é som, naqueles silenciosos corredores,
e a doce luz habita mil esconderijos,
tal como foi em seus inúmeros momentos,
em olhos, flor, seda, chaga e pedra preciosa.
E em diáfanas balanças pairam diamante e pólen,
bibliotecas
e arsenais.
Tudo se encontra nesta bruma:
o burburinho histórico, a
vítima e o carrasco;
a melodia da sereia nórdica, à proa do barco da conquista;
plumas e arcabuzes,
o passo do fantasma por aéreas escadas,
praga e suspiro,
acontecimento e remorso...
Tudo paira na estrutura da noite,
em seus arquivos
superpostos.
Tão longe vai o rastro exíguo das gaivotas
como o odor das praias e o rumor grandioso das máquinas.
Rarefeita anatomia da paisagem,
onde cada elemento se faz translúcido,
frágil e rijo como a asa dos insetos e a flexão do
pensamento.
Finíssimas pontes transpõem a noite:
desenhos agudos
prendendo as disjunções.
E quem segura a noite, assim carregada desses escombros
que
à luz do sol parecem grandiosos bens indispensáveis?
Homem, objeto, fato, sonho,
tudo é o mesmo, em substância de areia,
tudo são paredes de areia, como neste solo inventado:
mar vencido, fauna extenuada, flora dispersa,
tudo se corresponde:
zune o caramujo na onda com o mesmo som do lábio de amor
e
da voz de agonia.
Os abraços, as nuvens, o outono pelo parque
têm o mesmo
gesto, grave, precário, fluido.
Ah, e os louros cabelos caridosos, e a luminosa pálpebra,
e
as raízes pertinazes, e os ossos foscos,
e a minha deslumbrada vigília e a
memória do universo
tudo está ali, mais a luz confusa que envolve a lua,
mais o
clarão do pólo e as híbridas águas,
e tudo se desfolha sobre lugares invisíveis
num outro reino que apenas a noite alcança.
(Doze Noturnos da Holanda)
In: Obra Poética, Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1983, pp. 386-387
Jacob Maris |
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