quinta-feira, 20 de junho de 2013

Dora Ferreira da Silva

A RAINER MARIA RILKE
Minha tua pele pálida 
e as pálpebras de entumecidas pétalas.
De castanhas em azuis, estas pupilas.
Amo as mulheres que adoraste,
Anjo inconstante, ou Criança 
alcançando-lhes o joelho:
Lou e Paula Modersohn e Clara 
Benvenuta ao piano 
a Princesa esbelta e sardenta 
e o estranho Pasha.

Instável pássaro do amor,
de polainas cinzentas, tão feias e aristocráticas.
Teu chapéu e bengala usei 
no vergel friorento de Muzot.

Entramos com o vento na grande sala hipóstila, 
ou encravado na Catedral o eterno ponteiro sou 
do Anjo do Meio-Dia. Perambulo por todos os jardins, 
corro atrás de epiléticos e saltimbancos de subúrbio, 
dou a rosa à mendiga enquanto adere ao meu rosto 
o pegajoso escárnio. E as escadas... subo-as todas. 
Entro no quarto rue Toulier e enlouqueço 
nos crisântemos sobre a mesa.
Teu passo anda em meus pés e não os esquivo.

Abismo, abismo de tua pupila azul!
Nela tudo vejo do que viste em Firenze, Rússia e
                                                              [Toledo,
debruço-me sobre a ponte e deixo cair o lenço: 
a Desconhecida assim o pediu...

Esta manhã trouxe-nos a morte.
Sou viva em ti e morta e novamente viva, 
morro em teu leito com tuas feridas, 
tua angústia refletida em meus olhos azuis.

Nesta manhã de inverno desfaço-me contigo, 
para que do nada crie-nos Deus.
(Talhamar, 1982)

[In Poesia Reunida, Rio de Janeiro, Ed. Topbooks, 1999, pp. 260-261]


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