NAVIOS DO VENTO
Fechei a minha janela
ao vento que vem do largo,
que entra
pela voz do rio
e declina pela cidade,
silvando pelos telhados
que lhe servem
de desvio.
No rio sobem navios
que apitam de quando em quando.
Oh, mudo
pranto fechado
que se ouve no meu quarto!
Mas o vento força a porta,
sublinha-se pelas frinchas
com
denodado desígnio
que me fere de malícia.
Abro a janela, fecho-a
e recebo-o em minha casa
com honras
de visitante,
pé atrás, outro adiante,
como se fosse esperado.
Oh, pranto desenganado!
Não converso, não me espanto
com o que o vento sussurra
quando entra de improviso.
O que se ouve no meu quarto
é um anjo apavorado
que me
pretende assustar
com uma voz d'além túmulo
ouvida algures além-mar.
Oh, lamento recordado
de uma criança a chorar!
Eu vejo cavalos brancos
galopando sobre as nuvens
as crinas ao ar soltando,
halo de
espuma e salsugem.
O vento que me percorre
rodopia sem cessar,
enche-me o
quarto todo
de furtivos sentimentos
difíceis de controlar.
Oh, mudo pranto fechado
a sete chaves pelo vento!
27/2/75
[In 56 Poemas, Lisboa: Relógio D´Água, 1992, pp. 64-65].
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