sábado, 8 de junho de 2013

Ruy Cinatti

NAVIOS DO VENTO
Fechei a minha janela 
ao vento que vem do largo, 
que entra pela voz do rio 
e declina pela cidade, 
silvando pelos telhados 
que lhe servem de desvio.
No rio sobem navios 
que apitam de quando em quando. 
Oh, mudo pranto fechado 
que se ouve no meu quarto!
Mas o vento força a porta, 
sublinha-se pelas frinchas 
com denodado desígnio 
que me fere de malícia.
Abro a janela, fecho-a 
e recebo-o em minha casa 
com honras de visitante, 
pé atrás, outro adiante, 
como se fosse esperado.
Oh, pranto desenganado!
Não converso, não me espanto 
com o que o vento sussurra 
quando entra de improviso.
O que se ouve no meu quarto 
é um anjo apavorado 
que me pretende assustar 
com uma voz d'além túmulo 
ouvida algures além-mar.
Oh, lamento recordado 
de uma criança a chorar!
Eu vejo cavalos brancos
galopando sobre as nuvens 
as crinas ao ar soltando, 
halo de espuma e salsugem. 
O vento que me percorre 
rodopia sem cessar, 
enche-me o quarto todo 
de furtivos sentimentos 
difíceis de controlar.
Oh, mudo pranto fechado 
a sete chaves pelo vento!

27/2/75

[In 56 Poemas, Lisboa: Relógio D´Água, 1992, pp. 64-65].






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