VALE DO SOCAVÃO
No plano da montanha ensolarada,
vario entre o livro e a
paisagem.
Os gaviões retomam pelas manhãs há mais de 40 dias.
Não sei
o que querem:
a companhia de quem há meses
não pronuncia uma palavra?
a
companhia de quem caminha pelas trilhas
como gavião voando pelos ares? Não.
Eles reparam em minha presença apenas para se
recolherem,
esquivos, na altivez - alheios a nada.
Deixo restos de frango assado no tronco próximo à casa.
Comem-nos.
O vento bate em meu rosto,
em minhas costas nuas e friorentas apesar do sol.
Vejo a clareza límpida do dia,
sabendo que sou outro, além
do olhar.
Algo se move em mim, impossível de ser visto.
Algo se move em mim, impossível de ser escutado,
cheirado,
tocado, degustado... algo se move em mim,
para o qual as palavras não se
dispõem
mas obrigam-me a dizê-lo, após meses de indiferença
e mutismo. Tudo em
mim, agora, é combustível:
difícil ficar ileso aos verdes da manhã,
ao trabalho
diário, aos acontecimentos que,
mesmo corriqueiros, me contaminam.
Não há mais ninguém por aqui,
e minha existência é viável.
In Inquietação-Guia - 15 Poetas em torno da Azougue, Rio de Janeiro: Azougue editorial, 2009, p. 23
Arkhip Kuindzhi |
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