sexta-feira, 5 de julho de 2013

Marize Castro

não escrevo como mulher porque não sou mulher.
sou um destroço que boia. um relato lendário.
alguém que tem a dor nas mãos e negrumes secretos no sexo.
estou secando e ouço gritos.
uma desesperada louçã se anuncia:
– o melhor do mundo é não viver nele.

em um escabelo sento a contemplar uma sede sem fim.

mrs. dalloway, você está aí?
senhora d., posso chorar ao seu lado?
euricléia, quando eu voltar você me lavará os pés?
sra. ramsay, então o farol é isso, só isso?

em contínua tristeza os forasteiros vivem.

hoje dormi com batom nos lábios.
o cansaço era tanto que esqueci que também sou homem.
e não canso. e não choro. nunca.
deslindo-me e me desarrumo porque sou gaveta.
telhado.quase cratera. olhicerúlea.

ah, teseu, qual o tesouro secreto que o pai te revelou?

hades me quer. eu digo não. ainda não.
é urgente falar com tirésias.
ir de uma ponta a outra do tâmisa. sozinha.
com uma alegria insuportável.

em mim, femíneos simulacros:
macabéa, qual o tamanho da solidão dos domingos?
blanche, também já dependi da bondade de estranhos.
cabíria, você me ouve?
choro contigo o sentimento trágico da vida.
clitemnestra assassinou cassandra.
mesmo assim eu a amo.
amo as arestas. o que é subterrâneo:
plutão. dioniso. osíris.

estou respirando e tudo é silêncio.
não deslembro mais. simulo.
já sou pélago.
poço. festim. mosaico.

esmerada forma de arder.


[In Suplemento Literário de Minas Gerais, Edição especial, Belo Horizonte, Imprensa Oficial do Estado de Minas,  maio de 2013, p. 33]

Milton Avery



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