A natureza
das coisas
Todas as viagens são negócios
e os hotéis reservam-nos o
direito
de não encontrarmos diferenças.
Como os amantes da mulher de outro,
mantêm-se os gestos
familiares
no servir das bebidas
e nas vestes que se usa.
A volta havia mar
e isso, sim,
diferia da cidade
de onde se vinha,
com um rio e um oceano.
No interior dos viajantes
habitavam versos,
frases que
mentiram acerca de um sentimento
que o seu país não tem,
acerca da linguagem,
do existente
desprezo pelo rigor,
de uma identidade encontrada
além ou aquém do que se é.
Era o início ou o fim
do Mediterrâneo,
uma ilha onde o mundo
já vivera tudo e partiu,
e ninguém
esperaria o contrário,
ninguém esperaria ficar
para o sempre de uma vida
no
corpo da amante.
Não é a natureza humana,
é a natureza das coisas,
o absoluto com que se compreende
o
passado e os gestos,
como os que ruborescem o rosto
onde a mulher deseja.
E também há noite,
no hotel e em redor dele.
Tudo como o que havia
e o que já houvera,
tudo, sem que se
pudesse
invocar o nada,
por mais evidências que as horas
se esforcem por mostrar.
O marido, fatigado e bêbado,
recolhe ao quarto.
Ao acaso abriu um livro
que nunca vira,
que nunca iria ler,
como uma mulher bela
com quem um homem se cruza na rua,
para nunca mais senão
possibilidades
O outro viajante entreter-lhe-á
a mulher, a vida.
Entreter-lhe-á
o próprio inexistente nada,
como uma visita
ao forte da ilha
ou a falta de rigor na linguagem.
(O Tabaco de Deus, Edições Cotovia: Lisboa, 2002, pp. 27-29)
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