quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Isabel Mendes Ferreira

tudo o que digo e escrevo não passa de falso adubo com que adubo a sigla do teu nome. terra íngreme e escarpada de pedras certeiras onde o eco é só sentimento e sedimento. instantes de pobres canteiros sem jardineiro nem plátanos para me resguardar do tempo. inteiras amarras que o grande nome amarra à urze e à saudade. tudo o que não digo é um louvor à voz do silêncio. a galgar os pinheiros bravios e a ser pálido reflexo do timbre asfaltado que a cidade sublima e o corpo amortece.
____________________________________________haja terra para me ser casa e crepúsculo. gravo nela o passo sem náusea.

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há quanto tempo não te amava assim. lisboa. fragmentada de águas. memórias inchadas de prazer. assim caída nos meus ombros à deriva por outros mares outras marés outros cheiros mas sempre rente à música do teu ventre inclinado para o tejo. há quanto tempo não te fazia e dizia amor nos dentes. amor nas ancas dedilhadas por farpas e guitarras e vielas... assim te desdigo saudade. e volto aos teus flancos como gaivota em dezembros líquidos e densos. oleosos. florestais. lisboa de um piano que finalmente se cala. neste aqui. que já foi tanto. mesmo quando tocava sangue e silêncio. não é de adeus que te falo. é de mais longe. de mais logo. de outro lugar. as árvores dão ramos. que fazem de ninho. onde me aninho. e beijo-te lisboa. de teclas acesas. amanhã. outro rio. e voltar é o princípio.

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e nesta longa noite insone que é o dia chega a galope a porta de ida. longos cabelos de vidro. longa a asa que esconde o sol. destapo e recorto cada hora como se última fosse nas tuas mãos. mártir e guerreiro escreves-me um hino de sílabas átonas para que a noite não volte a ser o soalho do medo. os teus versos são agora escamas. que injectas nas veias. relator de hinos incompletos mas sempre em declinação de salmos. um dia este outro dia será apenas relance.__________________________enquanto não há uma casa que bombardeio com pombas e algumas faces quentes.

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sou de lugar nenhum.enquanto a palha arde. como fogo oficioso. diário de signos onde as navalhas se limpam ao sol para que este as molde em infaustas moedas falsas. sou de antes. de muito mais antigamente que a fala. o vento foi o cordel que desatei. e em cada sementeira fiz de conta que era ninho. sem árvore. sem dono. apenas o lugar de um instante. sem chão. breve visibilidade familiar onde cada aparição é silhueta sem sombra.
_____________________o tojo. os atalhos. o caos em sossego.


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e pergunta-me um rio bastardo porque me não faço ao mar. respondo doce e ductilmente que há muito me encharco de pó nas margens das sete montanhas. sou sem ser o grito esgotado e os círios esquecidos ao canto dos amores. em ilha ergo o cadáver do corpo cego de ecos. e pergunta-me a geografia que abrigo é este onde imito um bosque para ser apenas mancha. nada. respondo. nenhum caminho me será próximo. antes travessia. estranha.______________________cama de negros cordeiros que em sendo ásperos lincham o medo. e tudo passa a sustento.

(Inéditos)




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