ÁGUA
A Olga Savary
Há um mar no mar que não me nada
e não se entorna em ser
espuma ou coisa fria.
Me sinto cheio de palavra e de formato,
murado em mim sob
a ciência desse dia.
Na sonância do que vive,
minha fala é resistência,
e dizer é
corroer o que se esquiva,
reter na letra a cicatriz do som vazio.
Sou apenas quinze avos da loucura,
a dar um nome à ironia do
que dura.
Nas águas se calava a terra,
e as pedras se arrastavam às
eras
desatadas pelo arco exato dos rios.
Sobre as águas passaram
o perfil das aves ciganas,
o nome
noturno dos mastros.
A chuva passa, mas não lava o movimento
que a leva enquanto
passa.
Terra, texto, era, imagem,
a chuva escava a cor dos mapas
na
física unânime da tarde.
Vou no que me passa, intervalo
entre voo e asa, para a
secreta
febre desse campo, o da semente.
Aqui e sempre, devolvo agora
os dias algemados à memória,
e
confio a cada poro o testamento
de naufrágios, restos e dilúvios.
Se o largo mar já navega em água imensa,
em curtos rios ele
aprende o seu impulso.
Depois de herdar
dessa água a resistência,
alugo a meu sonho
a astúcia de meu corpo.
O que em mim se mira
é o pleno em sua ausência,
e pequeno me
anoiteço
em cada hipótese de porto.
Água, marcas da aventura
no rigor de luzes largas.
Água, pacto de barcas
na manhã hereditária.
Baliza do azul, suor
do silêncio nos cascos.
Horizonte.
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