sábado, 7 de setembro de 2013

Henriqueta Lisboa

TRADIÇÃO
O Caraça tem diadema 
de ouro que ninguém conhece. 
— Mas o ouro puro da gema 
traz o signo de outra espécie.

Apagou-se o rastro andejo 
de Bento Godóis Rodrigues 
junto aos três almofarizes 
que ficaram de sobejo 
quando ele para haver água 
distraidamente cava 
e à flor da terra descobre 
mina que o salvou de pobre.

Não se sabe onde o artesão 
misterioso peregrino 
nos seus andrajos tão chão 
como seguro no tino, 
de passeios solitários 
pelas brenhas caracenses 
colhe barras, com a licença 
de dourar os relicários.

Em jazidas ou feitiços 
dorme o ouro do preto velho 
que matreiro por discreto 
desfruta filão maciço.
E no seu momento extremo 
quer revelar o sigilo 
pelos silenciosos reinos 
até hoje a persegui-lo.

Desapareceu de vez 
para dramático espanto 
dos construtores da igreja,
às ordens do padre santo, 
jorro de fulvo metal 
que das feridas da rocha 
aos estampidos da pólvora 
emergiu — talvez do mal.

O Caraça tem diadema de ouro 
que ninguém conhece.
—   Mas o ouro puro da gema 
traz o signo de outra espécie.

[In Henriqueta Lisboa, Obras Completas, Vol. I, Poesia Geral,  São Paulo, Duas Cidades, 1985, pp. 321-322].




Um comentário:

Antonio Damásio disse...

Amigo xande, obrigado. Linda Henriqueta, lindo sanntuário, linda serra do caraça, aqui pertinho. Abr.

Fernando Paixão

  Os berros das ovelhas  de tão articulados quebram os motivos.   Um lençol de silêncio  cobre a tudo  e todos. Passam os homens velho...