quarta-feira, 4 de setembro de 2013

García Lorca

ODE AO SANTÍSSIMO SACRAMENTO DO ALTAR 
(FRAGMENTO)
(Homenagem a Manuel de Falla)

exposição

Pange lingua gloriosi 
corporis misterium.

 Cantavam as mulheres pelo muro cravado 
quando te vi, Deus forte, vivo no Sacramento, 
palpitante e despido, como um petiz, que corre 
perseguido por sete novilhos capitais.

Vivo estavas Deus meu, dentro do ostensório. 
Picado pelo teu Pai com agulha de lume. 
Palpitando como o pobre coração da rã 
que os médicos põem dentro do frasco de vidro.

Pedra de solidão onde a relva se lamenta 
e onde a água escura perde seus três acentos, 
elevam-te a coluna de nardo sob a neve 
sobre o mundo de rodas e falos que circula.

Eu fitava tua forma aprazível boiando 
na ferida de azeites e pano de agonia, 
e virava meus olhos para darem no doce 
tiro ao alvo de insônia sem um pássaro negro.

É assim, Deus passageiro, que te quero ter. 
Pandeirinho de farinha pro recém-nascido.
Brisa e matéria juntas em expressão exata, 
por amor à carne que desconhece teu nome.

É assim, forma breve de rumor inefável,
Deus em mantilhas, Cristo diminuto e eterno, 
repetido mil vezes, morto, crucificado 
pela impura palavra do homem sudoroso.

Cantavam as mulheres na arena sem ter norte, 
quando te vi presente sobre teu Sacramento. 
Quinhentos serafins de resplandor e de tinta
 teu racemo no domo neutro saboreavam.

Oh! Forma Sacratíssima, vértice das flores, 
onde os ângulos todos tomam suas luzes fixas, 
onde número e boca constroem um presente 
corpo de humana luz com músculos de farinha!

Oh! Forma limitada para expressar concreta 
multidão de luzes e de clamor percebido!

Oh! neve circundada por timbales de música! 
Oh! chama crepitante sobre todas as veias!

Federico García Lorca, Romanceiro Gitano e outros Poemas, trad. Oscar Mendes, Rio de Janeiro: José Aguilar Editora, 1974, pp. 242-243


Susana Giraudo

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