quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Jorge Luis Borges

Eclesiastes, 1,9
Se passo a mão de leve sobre a fronte, 
se afago as lombadas desses livros, 
se o Livro das Noites reconheço, 
se giro a terceira fechadura, 
se me demoro no umbral incerto, 
se uma dor incrível me atordoa, 
se recordo a Máquina do Tempo, 
se recordo o tapete do unicórnio, 
se mudo a posição enquanto durmo, 
se a memória me devolve um verso, 
repito o ritual inumeráveis 
vezes em meu assinalado rumo.
Não posso executar um ato novo, 
teço e torno a tecer a mesma fábula, 
repito um repetido decassílabo, 
torno a dizer o que outros me disseram, 
as mesmas coisas sinto, sempre à mesma 
hora do dia ou da abstrata noite.
Noite após noite o mesmo pesadelo, 
noite após noite o austero labirinto.
Sou o cansaço de um espelho imóvel 
ou o pó de um museu.
Somente algo indesejado espero,
só espero esse dom, ouro da sombra, 
essa virgem, a morte. (O castelhano 
permite esta metáfora.)

Poesia Borges, Companhia das Letras, 2009, p. 310-311

Kyung Hoon Min

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