V
BÍBLICAS DE SANTA TERESA D’ÁVILA
BÍBLICAS DE SANTA TERESA D’ÁVILA
I
Era uma vez uma mulher
que foi tocada pelo
amor celeste.
O Senhor fez nela o seu piano
— a maneira íntima de deitar as mãos sobre o
humano.
Que forte sopro é este que se infunde em mim?
Com sua vara
Ele arranca água deste ermo
sulcado em marfim.
Com o polegar no sol
põe-me dentro da luz —
sou solista da sua voz.
E porque leio os sinais
na clave bem temperada do corpo,
solfejo freneticamente as esferas.
Ah oratório dos meus pecados!
II
Procuro nas trevas tua voz
enquanto lanças sobre mim
a espada.
Fustigas no meu corpo tempestades más
— não reconheço nelas teu
espírito.
Por que me abandonaste, ó Senhor,
se debaixo da tua
vindima
mitiguei tua sede,
se pelos campos afora
me abri ao teu agrado?
Apóia em mim tua face
transborda em mim
tua carne
e
acima do céu ou do inferno
dá-me o prazer eterno,
amém!
III
E o Senhor criou a mulher!
Deu-lhe crina de fogo ondulante
regiões da
mais delicada força
uivos arrebatados na treva
coisas de incontida beleza.
Sou um sacrário prenhe de palpitações do espírito
onde
o cálice se reserva para o festim.
E (clara) uma luva está sempre prestes
a ascender em mim a
pomba que enaltece.
Voo de guerra que atravessa as plagas
do desde baixo até a
mais profunda ascese,
exército urdido na solidão
para o
clarim do dia primevo!
É quando a espada rasga o corpo
é quando (pelos dons do
Senhor)
me reverto em seu espelho.
Imagem e semelhança.
IV
És tu que tens na mão a minha parte!
Que se alevante então
a montanha encoberta
e que os incensos
inundem de cheiros
a entrada das cavernas mais secretas!
Meu peito é o horto da paixão,
oliveiras no aguardo do vento
forte!
Honra esta casa
— esta lareira —
sobe a escarpa
atiça o vulcão!
Dos teus olhos só vem o que é reto!
Por isso te peço:
desce sobre mim o raio piedoso.
Senta-te à mesa, dá-me o teu fruto,
indica-me (desde a
direita) quais as delícias.
Devolve do teu arbusto a minha seiva!
E dentro da tua mais excelsa indulgência
faz
de mim tua serva — e serventia tua!
V
O Senhor partiu para seu monte
e as regiões se
quedaram desabitadas
como a solidão mais antiga!
O tempo ruiu-se sobre a manhã...
Nenhuma aragem fina
vem deitar sua mirra sobre este leito de morte!
Onde os cardos para o meu diadema?
[In Livro de Auras, São Paulo, Iluminuras, 1994, pp. 73-77].
O ÊXTASE DE SANTA TERESA - BERNINI igreja de Santa Maria della Vittoria - Roma. |
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