sábado, 12 de outubro de 2013

Marianne Moore

POESIA
Também não gosto: coisas mais importantes que toda essa baboseira.
Lendo-a, no entanto, com total desprezo,  a gente acaba descobrindo 
nela, afinal de contas, um lugar para o genuíno.
Mãos que agarram, olhos
que se dilatam, cabeleira que se eriça
quando preciso, são coisas importantes, não porque se

lhes pode impor pomposa interpretação mas por serem
úteis. Quando se tornam tão derivativas que ficam ininteligíveis, 
o mesmo se pode dizer de todos nós, pois 
não admiramos aquilo que 
somos incapazes de compreender: o morcego
 pendurado de ponta-cabeça ou em busca de algum

alimento, elefantes em marcha, um cavalo selvagem a se espojar, um lobo
infatigável embaixo
de uma árvore, o crítico impassível a crispar a pele como um cavalo mordido
por pulga, o fã do
beisebol, o estatístico — 
nem é válido
ter preconceito contra “documentos comerciais e
livros didáticos” *; todos esses fenômenos são importantes. Contudo, a gente deve
fazer uma
distinção: se um semipoeta os realça à força, o resultado não é poesia, 
nem, enquanto nossos poetas não forem “literalistas
da imaginação” ** — acima
da insolência e da trivialidade — e não apresentarem

para inspeção “jardins imaginários com sapos de verdade”, teremos acesso a 
ela. Até lá, se exigir, por um lado, 
a matéria-prima da poesia em 
toda a sua primariedade e 
aquilo que é, por outro lado,
genuíno, então você tem interesse por poesia.

__________________________________________

* Diário de Tolstói: “Jamais serei capaz de compreender onde fica a fronteira entre prosa e poesia. Essa questão é discutida em manuais de estilo, mas não alcanço a resposta. Poesia é verso; prosa não é verso. Ou então poesia é tudo exceto documentos comerciais e livros didáticos".
** Literalistas da imaginação.  Yeats, Ideas of good and evil (A. H. Bullen, 1903), p. 182. “A limitação de sua visão derivava da própria intensidade de sua visão; era um realista da imaginação demasiado literal, assim como outros o são da natureza; e, como estava convencido de que as figuras vistas pelos olhos da mente, quando a inspiração as exaltava, eram ‘existências eternas’, símbolos das essências divinas, repudiava toda graça de estilo que pudesse obscurecer suas ca­racterísticas.”

[In Poemas, seleção João Moura Jr.; tradução e posfácio José Antonio Arantes. São Paulo, Companhia das Letras, 1991, pp. 168-169].


RENOIR




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