O QUE ISAÍAS DISSE A MADALENA E TOMÉ NUM
BAR DA FREI CANECA
1
Essa é uma cidade de desesperos controlados.
Os prazeres permanecem intrínsecos à lógica da metrópole,
coroando-nos com espinhos trançados em ponto-cruz,
branca a pele de nossa
textura de mártires.
Feridas em sangue e glicose; tabaco e anilina
vermelha,
groselha de gente nas festas de dezembro.
Libertinagem de vazios.
Teu amor, Maria,
a morfina ideal para simular um coração no oco do peito.
E quando em ternuras de conhaque e anfetamina
te toco os
lábios abertos de manticore,
afilados para meu corpo
como que ereções do
diâmetro do mundo;
Quando eu te toco,
vêm à mente a noção exata do quanto de prisão
existe nas
profecias.
II
Poderia um gemido sincero sacudir a cidade.
Mas somos fracos, falsos sofredores.
Ferro e vidro recheando pele de espelhos,
não nos importa as
dores não existirem de fato.
Afinal de contas,
o que existe além do alcance dos teus olhos, Tomé?
Tua língua já experimentou o próprio gosto?
Nos fartamos de carne moída com trigo e
mostarda,
a benção do Símio fugindo enquanto pulávamos sob luzes
mecânicas e movediças.
O horizonte como uma profecia perdida
entre blocos de
concreto.
III
Mas não vos assusteis.
Um dia sete lobos descerão arcanjos.
Entoarão hosanas e mantras durante
três dias e três noites.
Rasgarão o celestial das vestes e nus, afiados dentes,
mastigarão o cérebro dos entediados.
Mas se não vierem,
por favor, não me perguntem.
Do alto do fio elétrico cantará um pardal ao final das
tardes.
In Inquietação-Guia 15 poetas em torno da Azougue, organização Sérgio Cohn, Rio de Janeiro, Azougue Editorial, 2009, pp. 159-160.
MANTICORE |
Nenhum comentário:
Postar um comentário