quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Maurício Ferreira

O QUE ISAÍAS DISSE A MADALENA E TOMÉ NUM BAR DA FREI CANECA
1
Essa é uma cidade de desesperos controlados.
Os prazeres permanecem intrínsecos à lógica da metrópole, 
coroando-nos com espinhos trançados em ponto-cruz, 
branca a pele de nossa textura de mártires.
Feridas em sangue e glicose; tabaco e anilina vermelha, 
groselha de gente nas festas de dezembro.
Libertinagem de vazios.
Teu amor, Maria,
a morfina ideal para simular um coração no oco do peito.
E quando em ternuras de conhaque e anfetamina
te toco os lábios abertos de manticore, 
afilados para meu corpo 
como que ereções do diâmetro do mundo;
Quando eu te toco,
vêm à mente a noção exata do quanto de prisão 
existe nas profecias.
II
Poderia um gemido sincero sacudir a cidade.
Mas somos fracos, falsos sofredores.
Ferro e vidro recheando pele de espelhos, 
não nos importa as dores não existirem de fato.
Afinal de contas,
o que existe além do alcance dos teus olhos, Tomé?
Tua língua já experimentou o próprio gosto?
Nos fartamos de carne moída com trigo e mostarda,
a benção do Símio fugindo enquanto pulávamos sob luzes 
mecânicas e movediças.
O horizonte como uma profecia perdida 
entre blocos de concreto.
III
Mas não vos assusteis.
Um dia sete lobos descerão arcanjos.
Entoarão hosanas e mantras durante três dias e três noites.
Rasgarão o celestial das vestes e nus, afiados dentes, 
mastigarão o cérebro dos entediados.
Mas se não vierem,
por favor, não me perguntem.

Do alto do fio elétrico cantará um pardal ao final das tardes.

In Inquietação-Guia 15 poetas em torno da Azougue, organização Sérgio Cohn, Rio de Janeiro, Azougue Editorial, 2009, pp. 159-160. 

MANTICORE


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