ACALANTO
Pousa, amor, a cabeça sonolenta,
Humana sobre o meu braço inconstante;
A beleza das crianças pensativas
Tempo e
febres consomem lentamente
E cabe à tumba mostrar quão efêmeras
Essas mesmas crianças vêm a ser:
Mas que em meu braço, até que nasça o dia,
Possa repousar a viva criatura,
Mortal e culpada, e, no entanto, para
Mim a coisa mais bela de se ver.
Nem a alma nem o corpo têm amarras:
Para os amantes, quando eles se deitam
No seu
declive indulgente e encantado,
Tomados da languidez costumeira,
Intensa é a visão que Vênus manda
De uma simpatia sobrenatural,
De esperança e amor generalizado;
Enquanto uma
abstrata intuição desperta,
No
meio das geleiras e das pedras,
Do eremita o êxtase carnal.
Certeza e fidelidade se estiolam
Quando bate
meia-noite o relógio
Como se fossem vibrações de um sino,
E lançam seu pedante palavrório,
Aos gritos, os delirantes em voga:
Os últimos centavos a pagar —
Assim o prevê o
baralho mofino —
Serão saldados; porém, desta noite,
Que não se perca nenhum pensamento,
Nenhum
suspiro, nenhum beijo ou olhar.
A beleza, a meia-noite e a visão morrem:
Deixa os ventos do
amanhecer, que sopram
Suaves em tua sonhadora cabeça,
Exibirem um dia de tal forma
Propício que o olho e o coração o saúdem,
Satisfeitos com o mundo mortal;
Quer a secura meridiana te veja
Nutrida pela força
involuntária
E permita-te ir a noite adversária
Guardada pelo amor universal.
(J. M.J.)
Sobre W. H. AUDEN
[In Poemas, Seleção de João Moura Jr., Tradução e Introdução: José Paulo Paes e João Moura Jr., São Paulo, Companhia das Letras, 1986, pp. 45-47]
Nenhum comentário:
Postar um comentário