terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Adélia Prado

NEM UM VERSO EM DEZEMBRO
Não quero nunca desejar a morte,
a não ser por santidade,
como a chamou Francisco: ‘irmã’.
É quase 25 e nem um verso.
Movo as pernas sem conter meus quadris,
como deveria ter feito a vida toda,
pra conquistar o mundo.
Borboletinhas pardas, ciscos, seixos, gravetos,
água de sabão escapando do muro, duram ofertados
enquanto percorro o bairro,
a menina me olha do alpendre ladrilhado
e nem um verso.
Eu primo na minha obra porque é tudo que tenho.
Na casa de três cômodos, de terreirinho escorrido,
a vida é ruim, a alma Fica gemendo: ô vida.
Desguio dali uma ideia de suicídio
que paira sobre o telhado junto com a antena do rádio,
mas a ideia volta, e nem um verso.
Preciso me confessar ao homem de Deus:
cometi gula, ansiei pelo detalhe das fraquezas alheias
e mesmo tendo marido explorei meu corpo.
Nem um verso em dezembro, eu que para isso nasci e vim ao
[mundo.
Minha alma quer copular.
Os magos passam de jato,
a estrela se esconde,
chove torrencialmente no Brasil.

In Coração Disparado
[Poesia Reunida, São Paulo: Siciliano, 2001, p. 159]


Encontro de Folias de Reis
Helena Maria Boaretto Paula Vasconcelos

2 comentários:

Wendel Valadares disse...

Ah, gosto muito desse poema, e do livro em questão também!!!

Obrigado Antonio!!!

Antonio Damásio disse...

nada a agradecer, poeta.

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